O panorama do cânhamo industrial na Europa e no mundo evidencia as disparidades entre a legislação e a realidade do mercado. Atendendo à exigência dos consumidores e suas necessidades, urge que os estados membros da União Europeia (UE) tomem decisões coerentes quanto à permissão e regulamentação da venda de flores de canábis, desde que cumprindo os requisitos legais estabelecidos por cada lei de cada país.
Temos como certo e comprovado que o cânhamo industrial enquanto cultura agrícola traz imensos benefícios, nomeadamente pela sustentabilidade que representa, actuando ao nível da qualidade dos solos (menos pesticidas, regeneração e fertilidade, fitorremediação), e também na qualidade do ar. É conhecida a capacidade de cada tonelada de cânhamo produzida equivaler à remoção de 1,63 toneladas de carbono do ar, através de captura que a planta promove na fase de floração.
Além destas vantagens, o cânhamo industrial exige menos uso de pesticidas e a sua versatilidade no que toca ao produto final apresenta uma multiplicidade de funções e usos capazes de representar um bom desafio para os agricultores.
No entanto, é lamentável que no caso português ainda haja tanta falta de conhecimento por parte dos organismos e das entidades fiscalizadoras acerca desta cultura agrícola, estigmatizando-se quer os agricultores, quer os que empreendem na criação de negócios com esta matéria prima de excelência, benéfica para o planeta e para todos nós. E, se o desconhecimento da lei não pode favorecer o cidadão, no caso das autoridades deveria existir uma responsabilização por este tipo de actuação ao nível de ressarcimento dos lesados, neste caso concreto, dos agricultores.
É incomensurável o peso de notícias de apreensão de plantações e início de procedimento criminal em alguns casos, em que as autoridades inspeccionam as plantações fazendo vista grossa aos documentos apresentados pelos agricultores, que atestam estar a plantar cânhamo industrial. Apesar das evidências, acabam por ser acusados de tráfico de estupefacientes e aparecem na Imprensa como criminosos. Mas atenção, que estamos a falar de pequenos agricultores, apenas.
Questiono-me de que servem as leis e normativos se estes são ignorados pelas autoridades? Haverá maior fragilidade do sistema do que o desconhecimento da lei pelos agentes judiciários?
Este tipo de actuação tem vindo a ser uma prática recorrente por todo o território nacional e são já muitos os agricultores que viram todo o seu investimento transformado em prejuízo sob a ameaça da prática de um crime, tudo a cobro de uma errada interpretação da lei ou de uma má vontade de agir junto dos cidadãos de forma esclarecida. Enquanto as autoridades não forem responsabilizadas pelo prejuízo nestes casos, que invariavelmente culminam num arquivamento de processo crime por inexistirem indícios de actuação criminal, e, por outro lado, não aprofundarem os seus conhecimentos nesta matéria, teremos de colocar sempre uma expectativa muito séria em todo e qualquer bem intencionado agricultor de cânhamo industrial.
Para além de todo este cenário desprestigiante para o nosso país, por tudo o que revela, temos ainda a acrescentar a venda de flores de cânhamo vetada em grande parte do cenário europeu, sob a justificação ludibriosa de não existirem ainda evidências deste composto ser benéfico para o consumo humano.
No cenário europeu tudo fica mais interessante se percebermos o panorama de enquadramento do CBD nos vários países:
· Espanha: a lei espanhola quanto ao CBD permite o consumo de produtos com canabidiol, estabelecendo que estes devem conter até ao máximo de 0,2% de THC, sendo este o entendimento da Bulgária, Croácia, Chipre, Dinamarca, Alemanha, Grécia, Hungria, irlanda, Letónia, Liechtenstein, Polónia, Roménia e Eslovénia.
· Países Baixos: é permitido o consumo da canábis por adultos, mas apenas em estabelecimentos (coffeeshops) com licença de comercialização, estabelecendo o máximo de 0,5% de THC nesses produtos.
· Áustria, Luxemburgo: nestes países os produtos com CBD são legais estabelecendo o máximo de 0,3% de THC na sua composição.
· Itália: produtos com CBD podem ser comercializados desde que não tenham mais de 0,6% de THC.
· Suíça e República Checa: a lei permite a comercialização de produtos com CBD com um máximo de 1% de THC na sua composição.
· Estónia, Finlândia e Malta: nestes países apenas podem consumir CBD com autorização específica, mas Malta legalizou recentemente a canábis para uso adulto.
· Lituânia: o consumo de CBD deve respeitar o máximo de 0,2% de THC presente na sua composição. Apesar de o CBD estar legalizado, foi proibida a sua comercialização e produção, não sendo possível encontrar CBD à venda neste mercado.
· Suécia e França: nestes dois países são permitidos produtos de CBD sem vestígios de THC na sua composição.
Existem ainda países onde o CBD é ilegal como:
· Albânia
· Andorra
· Arménia;
· Bielorrússia.
· Bósnia e Herzegovina
· Moldávia
· Mónaco
· Montenegro
· Sérvia
· Eslováquia
· Ucrânia
Os países onde o CBD se encontra legislado de forma pouco clara e indefinida em termos de regulamentação, chamada zona cinzenta, são os seguintes:
· Bélgica, Portugal, Noruega e Macedónia do Norte: nestes países os produtos que contenham THC e CBD só podem ser adquiridos com prescrição médica nas farmácias;
· Geórgia: aqui é legal consumir e transportar canábis, mas a plantação e venda permanecem ilegais e as leis que versam sobre óleos à base de CBD permanecem pouco claras.
Deste resumo abreviado deve concluir-se que as leis estão muito aquém do que seria esperado e a indústria continua a crescer de forma desmesurada. Valha-nos a lucidez da ONU que, em Dezembro de 2020, reconheceu oficialmente as propriedades medicinais da canábis, numa votação realizada em Viena pela Comissão de Estupefacientes. É indiscutível que, apesar do proibicionismo de uma planta ancestralmente usada e consumida por diversos povos, instituído há quase um século, precisa ser revertido com a máxima urgência, em benefício da saúde e da sustentabilidade do planeta.
Estudos estimam que o mercado do CBD atinja 1.5 mil milhões de euros até 2023. A grande controvérsia está centrada na divergência legislativa na Europa, que mantém os operadores deste mercado em constante angústia e actualização, sempre na dianteira da pesquisa de estratégias comerciais legalmente admissíveis.