Todos os anos, na estação das chuvas, Gordon e Valentina Wasson atravessavam de mula as altas montanhas de Oaxaca. Por caminhos quase intransitáveis de encostas íngremes, parte pantanosos, parte rochosos, entre um calor ameaçador e ar húmido, faziam o caminho até umas pequenas vilas remotas no sul do México, perseguindo o mistério do culto dos cogumelos divinatórios. Valentina era pediatra em Nova Iorque, Gordon vice-presidente da J.P. Morgan. A arte de caçar cogumelos foi passada a Valentina durante a sua infância, na Rússia. A paixão dos fungos inoculou a relação dos dois. Nos tempos livres tornaram-se pioneiros em etnomicologia, analisando informações de história, linguística, religião comparada, mitologia, arte, arqueologia para compreender o papel dos fungos no desenvolvimento das tradições e rituais de várias culturas. Cruzaram-se com a informação de um culto de cogumelo que induzia visões e poderes de adivinhação. Encontraram em escritos antigos sobre o México informações de rituais que se iniciavam pela ingestão de um fungo. A inquietação de saber se o ritual ainda acontecia empurrou-os para a aventura.
Maria Sabina, uma sábia curandera de Huautla de Jimenez (sul do México) foi iniciada no arte de divinação aos oito anos, quando pela primeira vez comeu cogumelos, ou cositas como lhes chamavam. Na sua cerimónia, a velada, os cogumelos são distribuídos aos pares, em quantidade decidida por si, dependendo da aflição do cliente: um familiar doente, um desgosto, a incerteza das culturas agrícolas. Na escuridão da noite tropical, a curandera dá voz aos seus cânticos, entre palmas e percussão no corpo, rodando sobre si mesma enquanto cobre todos os pontos cardeais. A performance chega a um clímax a cada vinte ou trinta minutos. De repente o canto pára e o cogumelo começa a falar. As visões inundam a curandera e os clientes. No fim todos se juntam, a fumar e a falar das suas viagens.
Em meados dos anos 50 os Wassons viajam para Huautla de Jimenez e pedem intercessão de Maria Sabina, que se dispõe a mostrar-lhes o oráculo do cogumelo para resolver o desassossego do estado de saúde do seu filho em Nova Iorque. Esta cerimónia ficou imortalizada num artigo publicado na revista Life Magazine em 1957, o primeiro registo da participação do homem branco no culto do cogumelo mexicano. Gordon participou com o fotógrafo Allan Richardson, estando ainda Valentina e a sua filha Masha em viagem para a remota aldeia. Gordon ficou extático com as visões de euforia divina, mas a mente científica de Valentina atribuía a possibilidade de ter sido um estado de transe induzido pela cerimónia, um efeito placebo. Apenas depois de comerem os cogumelos mágicos no dia seguinte, Valentina e Masha ficariam convencidas dos seus extraordinários poderes para alterar a consciência. Valentina escreveu sobre a sua experiência no artigo I ate the sacred mushroom, na revista This Week Magazine. A descrição da experiência de Gordon Wasson na Life é considerada seminal, provocando uma tumultuosa revolução psicadélica na academia e cultura dos anos 60. Mas foi o desassombro científico de Valentina, logo após essa primeira experiência, que a levou a postular o potencial terapêutico que a experiência com cogumelos poderia ter na cultura ocidental, principalmente no “tratamento de alcoolismo e outras dependências, doenças mentais ou alivio do sofrimento nas doenças terminais”.
Quase setenta anos passados e confirmam-se as visões de Valentina.
Centenas de estudos um pouco por todo o mundo têm mostrado que a experiência induzida pela psilocibina, o composto ativo presente nos cogumelos mágicos, é uma potente aliada do processo psicoterapêutico. Os resultados dos recentes estudos na universidade de John Hopkins (EUA) apontam para que a magnitude do efeito da terapia com psilocibina seja quatro vezes maior do que os ensaios clínicos de antidepressivos que estão atualmente no mercado. As drogas psicadélicas serão provavelmente a ignição da revolução da saúde mental nos próximos anos. Enquanto que os tratamentos disponíveis para a depressão demoram semanas ou meses a fazer efeito, com muitos efeitos não desejáveis, a maioria dos participantes nestes novos estudos com psicadélicos sentiu melhoria após uma única sessão.
Momentos extraordinários da consciência. Experiências fora-do-corpo, revelações místicas, dissolução do ego e do tempo podem ser alcançados através da meditação, privação sensorial ou do transe provocado pelo som ritmado de tambores. Os estados alterados de consciência fazem parte da experiência humana. Desde cedo os humanos perceberam que a ingestão de certas plantas e fungos induziam, também, profundas alterações na consciência. A relação dos seres humanos com substâncias psicoativas data provavelmente do paleolítico. À medida que exploravam novos territórios, com o aparecimento de nova fauna e flora, os primeiros humanos tornaram-se forçosamente experimentalistas, descobrindo o que se poderia comer por tentativa e erro. De algum modo, reconheceram vantagens na incorporação de plantas e fungos psicoactivos nas suas celebrações. Os irmãos Mckenna defendem inclusive que os cogumelos contendo psilocibina tiveram um papel central no desenvolvimento da consciência humana, na autoreflexão e criação da linguagem. Desde há dois séculos que vários cientistas, artistas, filósofos e exploradores procuram compreender e descrever em que consistem estas viagens que vão além do ordinário. A natureza complexa e subjectiva do fenómeno torna a auto experiência inescapável.
As referências ao cogumelo estão empapadas na História do ser humano. Artefactos dos Maias são claros em relação ao papel do cogumelo na sua cultura. Em Cuenca (Espanha) uma fila de cogumelos foi identificada no mural Selva Pascuala. Recentemente chamaram-me a atenção para o pelourinho de Vila Franca de Lampaças (Bragança) que, apesar da falta de registos, facilmente nos leva a questionar se o poder do cogumelo também por ali passou.
Mas a história não deverá ser romantizada, devemos manter presente que, tal como a maioria das descobertas do homem branco, também esta aconteceu num ambiente colonialista. Wasson simulou uma preocupação com o filho para que Sabina lhe concedesse acesso à velada. E, após os artigos na imprensa americana, as remotas vilas de Oaxaca foram inundadas por curiosos em busca do cogumelo visionário. Sabina disse anos mais tarde que a sua vida se tornou miserável, tendo sido ostracizada pelos locais por ter revelado o segredo ao homem branco.
A relação do ser humano com cogumelos divinatórios é provavelmente mais antiga do que podemos imaginar neste momento. A natureza da experiência induzida continua ainda a ser um profundo mistério. O encontro de Maria Sabina e Valentina, o encontro entre o saber dos espíritos e a nova ciência, acabou de acontecer. Continuamos a perseguir o mistério do cogumelo que ainda agora nos chegou da montanha. Cuidemos bem deste segredo.