Por que é que a Anvisa quer parar as associações?
O assunto do momento no Brasil é o facto de a Anvisa se pronunciar contra a liminar (decisão temporária) de autorização para cultivo e fornecimento de óleo de canábis à associação ABRACE, a segunda, já que a primeira foi a APEPI.
Ora bolas, como assim? Ela não é uma agência reguladora? Pelo que sei, e até onde me lembro, as agências reguladoras foram criadas no governo FHC com o intuito de regular com isenção o mercado em alguns sectores e criou as agências reguladoras. As mais famosas são Anvisa, ANATEL, ANTT… A ideia é óptima e faz todo sentido, desde de que sejam ISENTAS!
Mas, como tudo nesse país, deturparam também as agências reguladoras e usaram-nas de cabide político e balcão de negócios. Pelo menos é o que parece! Como diz o Ricardo Petraglia do MobDick Show, faz a gente parar para pensar se a sigla que significava Agência Nacional da Vigilância Sanitária passou a significar Agência de Viabilização de Importados Sociedade Anónima. Quando o governo libera a compra de Coronavax sem autorização da ANVISA mostra que este é um órgão sem poder.
Mas isso é só um exemplo, porque pior é o que vou escrever agora.
A Anvisa tentou derrubar a liminar que a Abrace tem. A Abrace, junto com outras 30 associações, cuidam aproximadamente de 30 mil pacientes e são detentoras do know how brasileiro, além de terem capilaridade nacional e conhecerem as agruras do dia-a-dia do acolhimento de pacientes, que não têm mais onde pedir ajuda.
Se por um acaso as associações parassem hoje de trabalhar, como ficaria o fornecimento de remédios para essas pessoas, que não têm como pagar e precisam de THC na formulação do medicamento? Vão jogar para o SUS (Sistema Único de Saúde) e fazer todos os brasileiros fomentar o mercado internacional a alto custo?
Não seria muito mais fácil, justo e democrático criar um panorama de criação de emprego e rendimento e gerar pesquisa e tecnologia nas instituições federais e privadas do país se fomentássemos as associações?
Claro que seria! Até porque já existem projectos para cultivo na Anvisa prontos, que o último presidente Willian Dib deixou (não é o melhor mas já existe), além da PL 399.
Mas a política de interesses e com perfil ideólogo, pensando em agradar bancadas, colocou lá um Militar. Nada contra, mas está a mostrar-se encabrestado e de certa forma anti-patriótico, pois essa atitude fere o princípio básico das Forças Armadas do Brasil, que é o patriotismo e a defesa do interesse nacional. Precisamos ter soberania de produção, principalmente quando se trata de Saúde Pública.
Sim, isso mesmo, e entenda, hoje, no modelo actual, todo o produto autorizado pela Anvisa tem que ser importado, ou seja, fomentamos o mercado internacional, usando como financiador desse projecto pacientes brasileiros. Isso não é justo e é quase um crime pior que o cultivo em terras brasileiras — e o pior é que falamos isso como se a canábis fosse proibida de facto e todos sabemos que não é, ela está aí, fácil de conseguir em qualquer cidade brasileira, mas os pacientes que utilizam para fins terapêuticos caem na vala comum da ilegalidade.
Mas todo o facto tem um lado bom, e o lado bom desse facto é que a oposição da Anvisa uniu ainda mais as associações. E o coro não foi só para defender essa injustiça com a Abrace, mas sim para pedir que todas as associações tenham o mesmo direito. Se o Governo Federal for inteligente (que não foi até agora no assunto canábis) usa essa rede, pronta para produzir remédio para os brasileiros, e isso pode ser muito mais barato em comparação com os 264 milhões que o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Económico e Social) trouxe para a indústria farmacêutica do Paraná, e talvez 10% dessa verba resolvesse o problema.
Além disso, colocaria a Fio Cruz, EMBRAPA e as Universidades Federais em pé de igualdade de instituições de mesmo carácter do resto mundo, que já está a desenvolver ciência e tecnologia nesse novo mundo verde.
E isso não é um favor para as associações, mas sim um reconhecimento pelos serviços prestados à sociedade e aos pacientes brasileiros, desempenhando um papel que deveria ser do Estado e não empurrar esse custo para o SUS, que já tem o cobertor curto, modelo que está a desenhar com a judicialização dos importados.
Felizmente, desta vez a Abrace ganhou a autorização de cultivo e a Anvisa perdeu!
Por isso caro leitor, assim que ler esse texto, apoie a existência das associações, pois se você ainda não precisou, um dia pode precisar! Nesse momento, não queira ficar refém da Big Farma. Nada contra o capital, até porque acredito que capital e social se complementam neste novo mundo do século 21, pós-COVID, mas sim contra o modelo predatório e canibal, que às vezes se apresenta no mercado da Saúde.